O distrito de Malema, na província de Nampula, tem registado progressos significativos na expansão e melhoria da rede de energia eléctrica, com novas ligações em várias comunidades, apesar dos desafios estruturais que ainda persistem. Num trabalho realizado pelo 4Vês Repórter no terreno, constatou-se que Malema continua a ser um dos distritos menos electrificados da província. Ainda assim, as actividades de expansão têm decorrido de forma acelerada no âmbito do programa Energia para Todos. Só no primeiro semestre deste ano foram efectuadas cerca de 700 novas ligações, revelou o delegado da EDM em Malema, Atílio Capece, em entrevista ao 4Vês Repórter.
Dependência da linha de Cuamba
Embora seja um distrito de Nampula, a ligação eléctrica de Malema é feita através da linha proveniente do distrito de Cuamba, na província do Niassa, em vez da linha interna da província de Nampula. Historicamente, o primeiro posto administrativo a receber energia foi Mutuali, que faz fronteira com Cuamba.

Durante muitos anos, a delegação da EDM em Malema funcionou apenas como unidade de atendimento ao cliente pertencente a Cuamba, operando em contentores metálicos. Actualmente decorrem obras para a construção de um edifício-sede naquele distrito, iniciativa que deverá melhorar as condições de atendimento e operação local.
A linha de electricidade da província de Nampula termina em Ribaué, na comunidade de Iapala, situada a cerca de 50 quilómetros da vila de Malema, facto que explica a dependência relativamente à rede de Cuamba. Por esse motivo, o delegado da EDM em Malema, Atílio Capece, responde hierarquicamente à delegação de Cuamba, embora esteja afecto a um distrito pertencente a outra província.

Segundo o Censo de 2017, o distrito tinha 213.011 habitantes, com uma densidade populacional de cerca de 35 habitantes por km², e é composto por três postos administrativos de Chuhulo, Malema e Mutuali. Apesar do crescimento de ligações, o acesso à electricidade continua a ser limitado para uma parcela significativa da população.
Com base no Plano Nacional de Electrificação publicado em 2023 pela Autoridade Reguladora de Energia (ARENE), as províncias da Zambézia e Nampula concentram o maior número de agregados familiares ainda sem acesso à electricidade, devendo muitos desses agregados ser ligados por sistemas fora da rede até 2030. Para a província de Nampula, a meta prevista até 2030 é de 239.303 agregados familiares; para o corrente ano de 2025 está projectada a ligação de 92.920 agregados, num investimento avaliado em 93,6 milhões de dólares. No quadro desse plano, Malema figura com a contemplação de localidades e comunidades como Murralelo, Murripa, Chilulo com meta de cerca de 1.786 agregados, Nipacué (1.195 agregados) e Nihona (817 agregados).
Malema acelera expansão com 1.300 novas ligações
Apesar das limitações estruturais e da dependência de infra-estruturas provenientes de outra província, os avanços em curso representam um passo importante para reduzir a exclusão energética em Malema. A ampliação da cobertura eléctrica tende a incrementar as oportunidades socioeconómicas locais, beneficiando famílias, escolas, instituições públicas e actividades produtivas.

De acordo com o director da EDM em Malema, Atílio Capece, para além das 700 novas ligações efectuadas no primeiro semestre de 2025, até ao mês de Setembro o distrito já contabilizava 1.396 novas ligações no presente ano.
“Além das novas ligações, estamos também a trabalhar na melhoria da rede eléctrica em linhas antigas, de modo a fornecer energia de qualidade às comunidades, já que o número de clientes tende a crescer”, revelou Capece.
Entre as zonas contempladas, Peneca-B destacou-se como uma das comunidades beneficiadas em Março, passando da linha de baixa tensão para a média tensão, através da introdução de três novos transformadores. Na comunidade Piscina-1, registou-se igualmente a instalação de novos transformadores no âmbito da melhoria da linha de corrente eléctrica. Ainda nesta mesma localidade (Pescina-2), decorrem actualmente actividades de expansão da linha eléctrica, com a colocação de postes que irão sustentar a nova rede.
Apesar da sua localização central, a apenas 300 metros dos edifícios do governo distrital, na vila sede de Malema, a comunidade Piscina -2 continua sem cobertura eléctrica em vários dos seus agregados, um dado que ilustra de forma clara o baixo nível de acesso à energia no distrito. Também a comunidade de Peneca-E encontra-se a beneficiar de trabalhos de expansão em curso, enquanto a comunidade de Canhunha já recebeu recentemente uma nova linha de energia com a instalação de dois transformadores.

Segundo Capece, a empresa está neste momento a planificar novas actividades de expansão com prioridade para as comunidades de Nacata 1 e Nacata 2 também na vila Sede de Malema. “Essas duas comunidades terão também energia em breve. Estamos a trabalhar para expandir o mais rápido possível. Para além de fazerem parte do nosso plano de expansão para o corrente ano, a população apresentou pedidos formais de electrificação e nós estamos a responder ao apelo”, sublinhou o delegado da EDM.
Capece acrescentou ainda que três novos bairros do distrito já se beneficiaram de linhas de média tensão, o que permitiu aumentar a capacidade de fornecimento e alargar a rede de clientes. Embora Malema continue a figurar entre os distritos menos electrificados da província de Nampula, os investimentos recentes mostram uma dinâmica de expansão que, a médio prazo, poderá alterar o cenário energético local. A EDM em Malema acredita que, com a continuidade do programa Energia para Todos, será possível reduzir as assimetrias de acesso e acelerar o desenvolvimento social e económico do distrito.
Gestão de expectativas e impactos locais
Numa visita guiada ao distrito de Malema, o delegado da EDM, Atílio Capece, acompanhou a equipa do 4Vês Repórter por algumas das zonas recentemente electrificadas e pelas áreas onde decorrem trabalhos de expansão da rede. Questionado sobre os principais desafios na actividade, Capece sublinhou que a electrificação em regiões rurais, como é o caso da maior parte do distrito de Malema, enfrenta obstáculos significativos devido à dispersão da população e à distância em relação à rede nacional.
“Há grande dispersão de casas aqui em Malema. As pessoas possuem terrenos grandes, onde fixam as suas residências e, ao mesmo tempo, cultivam as suas machambas. As casas ficam distantes umas das outras, mas todas as famílias querem energia. Temos feito um esforço de sensibilização para que as populações se concentrem mais, evitando viver dispersas, o que permite maior viabilidade para a expansão da energia”, explicou Capece.

Segundo o delegado, algumas comunidades compreendem esta dificuldade e procuram ajustar-se, mas a EDM tem procurado gerir cuidadosamente as expectativas da população. Em reuniões locais, os técnicos explicam que os recursos são escassos e que não é possível levar energia a casas muito afastadas da linha principal, devido ao elevado custo que representa a instalação de postes e cabos de transporte para um único agregado familiar.
“A população quer energia, mas muitas vezes a sua casa está distante do traçado da linha. Procuramos explicar que não dispomos de material para levar energia a uma habitação isolada. Mostramos a nossa intenção de ligar a rede, mas também apresentamos os desafios. Em alguns casos, as comunidades aceitam juntar-se e, graças a isso, já estão a ter acesso à energia”, detalhou Capece.
Outro ponto referido pelo responsável prende-se com o tipo de habitação predominante em Malema, maioritariamente construída em pau-a-pique, barro e capim. Muitas destas residências não possuem grandes electrodomésticos e apresentam um consumo energético reduzido.
Nesse contexto, a EDM tem incentivado as famílias a formalizar os pedidos de ligação, fornecendo apoio na instalação de mecanismos de segurança básica, sobretudo anti-risco de incêndio ou curto-circuito. Essa realidade, segundo Capece, torna o processo de ligação menos complexo, dispensando avaliações técnicas demoradas antes da electrificação de cada residência.
Fontes locais ouvidas pelo 4Vês Repórter, afirmam que o processo de ligação de energia elétrica nas residências está actualmente mais facilitado e tem sido relativamente rápido, com envolviemnto das estruturas locais da EDM apoiando no processo. Revelaram que ao submeter o pedido de ligação, o processo é geralmente respondido no mínimo dentro da mesma semana, pode levar duas ou mais semanas quanda ha alguns pequenos desafios. Entretanto, os residentes reconhecem o desafio da dispersão das casas, apontado pelas equipas da EDM como um dos principais constrangimentos na expansão da rede.
A estratégia de sensibilização e de adaptação às realidades locais tem permitido à EDM conquistar maior confiança junto das comunidades, ainda que as limitações materiais e logísticas sejam constantes. Para Capece, mais do que fornecer energia, trata-se de educar a população para uma convivência sustentável com a rede eléctrica, conciliando o sonho de acesso universal com a realidade concreta do distrito.
Energia e as mudanças de mentalidades e crenças limitadoras
Dionísio Vachiua é um dos moradores de Malema que testemunha de perto os impactos da electrificação no quotidiano. Em entrevista ao 4Vês Repórter, partilhou que a chegada da energia à sua comunidade representou uma viragem decisiva na sua vida e nas condições da sua família, e espera que o distrito avance rapidamente rumo à electrificação total, o que poderá acelerar o desenvolvimento local.
Recordando os primeiros tempos, contou que, quando a energia chegou, vivia ainda numa casa de material precário, coberta de capim, como a maioria das residências tradicionais da zona. Com o passar dos anos, foi obrigado a melhorar as condições da sua habitação, sobretudo para garantir a segurança dos electrodomésticos adquiridos.
“Minha casa era como muitas dessas de capim que vemos por aqui. Mas com a chegada da energia muita coisa mudou na minha vida. De início, usava a energia apenas para ver à noite e carregar o celular. Mais tarde fui comprando aparelhagem de som, depois um televisor com antena, e começámos a acompanhar vários programas. Foi então que comecei a sonhar com um congelador e outras coisas”, contou Vachiua.
O entrevistado explicou que, após adquirir um congelador, ainda que usado , viu-se forçado a reconstruir a sua residência, passando de uma casa coberta de capim para uma em chapas de zinco, erguida com tijolos e rebocada a cimento. A mudança não foi apenas estética, mas motivada pela necessidade de proteger os bens que foi conquistando ao longo dos anos.
“Comprei um congelador e comecei a conservar carnes e alimentos que trazia das viagens de trabalho. Para não estragar com a chuva ou correr o risco de ser roubado, tive de mudar as condições da minha casa. Ampliei os compartimentos, troquei o tecto, as portas e coloquei janelas. A energia veio mudar muita coisa, melhorou as condições de vida da minha família”, relatou.

Além das transformações materiais, Dionísio sublinhou que a expansão da rede eléctrica também está a contribuir para derrubar preconceitos culturais enraizados. Um dos mais persistentes, segundo ele, é o mito de que quem constrói uma casa de alvenaria acabará por morrer antes de nela viver.
“Aqui antigamente havia essa informação: de que não se podia construir uma casa de alvenaria porque a pessoa morria antes de viver nela. Por isso, muitos continuavam em casas de capim, não porque não tivessem dinheiro, mas por medo. Hoje já se começa a ver uma mudança. Muitos estão a melhorar as casas, já sabem usar bancos, M-Pesa ou Emola para guardar o dinheiro. E isso acontece porque há desenvolvimento a chegar com a energia”, afirmou.
O morador acrescenta que várias famílias em Malema conseguem gerar rendimento através do comércio de produtos agrícolas, mas durante muito tempo guardaram dinheiro em casa, vulnerável a incêndios e outros riscos. Com a chegada da electricidade, há uma tendência crescente de investir em habitações mais seguras e em serviços financeiros formais. Para Vachiua, a energia não trouxe apenas luz às noites de Malema, mas iluminou também uma nova forma de pensar e de projectar o futuro.
“Com esta expansão que estamos a ver, o distrito vai desenvolver-se mais. A energia está a mudar mentalidades, está a transformar as nossas casas, o nosso comércio e a nossa vida. E vai continuar a mudar as condições de vida das famílias de Malema”, concluiu.
“A Coragem de um delegado que manteve Malema iluminado durante manifestações”
O Distrito de Malema, na província de Nampula, destacou-se como um dos pontos mais sensíveis das últimas manifestações pós-eleitorais. A localidade de Mutuali tornou-se o epicentro das mobilizações, marcada pela presença de Naparamas, bloqueios de estradas e destruição de infraestruturas públicas. Em meio a este cenário de instabilidade, garantir que o distrito permanecesse electrificado e iluminado tornou-se um desafio diário para Atilio Capece, jovem delegado da EDM com apenas 24 anos, que viu-se obrigado a conciliar a sua missão profissional com situações de risco extremo.

Durante o auge das manifestações, dois postes de transporte de energia caíram em Mutuali, exatamente no centro dos confrontos. A reposição destes postes transformou-se numa missão perigosa, exigindo não apenas habilidade técnica, mas também coragem e capacidade de negociação. Capece liderou a sua equipa e, ao chegar ao local, deparou-se com homens armados e estradas bloqueadas, que impediam o acesso a zonas críticas da rede elétrica. Foi nesse contexto que o delegado tomou a decisão de descer do carro e interagir directamente com os líderes dos Naparamas, pedindo autorização para prosseguir com o trabalho.
“Eu tive que descer e pedir para passar, mas não foi fácil. Aqueles homens metiam medo. Lembro-me de descer do carro para explicar o motivo e fui encaminhado para falar com o líder, um senhor à beira da estrada. Ele perguntou-me se eu era o mais corajoso de todos no carro, e tive que explicar que era o líder da equipa”, contou Capece, lembrando os momentos de tensão vividos.
A passagem não foi imediata. As negociações prolongaram-se por horas, com a segurança de Capece e da sua equipa constantemente ameaçada. Mesmo tentando contactar as estruturas distritais em busca de apoio, não foi possível obter ajuda devido à complexidade da situação e à necessidade de cautela diante da hostilidade no terreno. Somente durante o período nocturno a equipa conseguiu concluir a reposição da energia e prosseguir viagem em segurança.
“Vivi esta experiência várias vezes, mas houve um momento em que os manifestantes já permitiam a passagem da viatura da EDM, reconhecendo a nossa tarefa, mesmo quando alguns nem tinham energia em casa. Foi uma experiência difícil e complexa, onde em alguns momentos pensei que iria morrer. Cheguei até a considerar avisar a minha família, pois as estruturas do distrito tinham conhecimento da situação, mas encontravam-se limitadas para intervir. Ainda assim, havia uma missão, manter o distrito electrificado, apesar das manifestações”, relatou o jovem delegado.
Atilio Capece é hoje descrito no distrito como um profissional dedicado e comprometido, que, apesar da pouca idade, tem desempenhado um papel decisivo na expansão e manutenção da rede eléctrica. Corajoso, enfrenta bloqueios e situações de risco com determinação, estando sempre pronto para intervir em qualquer momento e coordenar a reposição de energia.
Além da coragem, é também elogiado pela sua capacidade de liderança, mobilizando a sua equipa para garantir que residências e infraestruturas do distrito mantenham energia mesmo em circunstâncias adversas. O caso de Capece segundo um vereador do Município de Malema demonstra que, em contextos de crise social e política, a missão de manter serviços essenciais como a eletricidade pode transformar-se numa prova de coragem e resiliência, evidenciando a importância de profissionais comprometidos com o desenvolvimento local e a vida das comunidades.
Acesso à energia em Nampula
Apesar dos esforços de expansão, quase metade da população de Nampula ainda não tem acesso à energia elétrica proveniente da Hidroelétrica de Cahora Bassa. Dos 5.758.920 habitantes da província, mais de 49% continuam à margem do serviço, segundo revelou o diretor da Eletricidade de Moçambique (EDM) para a Área do Serviço ao Cliente de Nampula, Cristiano Neves.
Neves apontou que, além dos desafios estruturais, o vandalismo das infraestruturas e o roubo de energia continuam a comprometer o fornecimento, causando prejuízos de cerca de 38 milhões de meticais. “O problema da vandalização das infraestruturas elétricas é preocupante, pois compromete os planos de expansão dos serviços, para além dos danos causados pelas ligações clandestinas”, explicou.
A situação agravou-se ainda mais com a passagem de sucessivos ciclones tropicais registados este ano, que danificaram seriamente a rede de distribuição. Apesar disso, a EDM assegura que os trabalhos de reparação já se encontram sob controlo e que a prioridade é garantir a estabilidade do fornecimento para todas as comunidades.
Para inverter este cenário, a EDM tem intensificado ações de sensibilização junto da população, incentivando a denúncia de atos de vandalismo e ligações clandestinas. Paralelamente, a empresa concluiu um mapeamento das regiões ainda sem eletrificação, preparando a sua inclusão nos próximos planos de expansão. Cristiano Neves acredita que, com a conjugação destes esforços e a colaboração da comunidade, Nampula poderá avançar rumo a uma cobertura elétrica mais abrangente, fundamental para o desenvolvimento socioeconómico da província. (NTAIMO/2025)