O Ministério Público de Sofala acusou formalmente dois cidadãos estrangeiros pelo crime de exploração florestal ilegal ocorrido em Março de 2024, no distrito de Chemba. Contudo, o despacho de acusação, datado de 30 de Setembro do mesmo ano, omitiu o nome de quem, segundo os autos, deu origem à operação ilícita: Roberto Mito Albino, actual Ministro da Agricultura, Ambiente e Pescas.Enquanto os executores foram responsabilizados criminalmente, o suposto mandante e titular do direito sobre a terra passou incólume.
As provas que comprometem o Ministro
O despacho do Ministério Público baseia-se, em grande medida, nas declarações do primeiro arguido, Rademan Janse Van Rensburg, director-geral da empresa Ecofarm Moçambique.

Perante a Procuradoria Distrital de Chemba, Van Rensburg declarou, sob juramento, que foi contactado por um intermediário, Xadreque Muanza, em nome de Roberto Mito Albino, então director-geral da Agência do Desenvolvimento do Vale do Zambeze, para proceder à “limpeza” de uma área de 50 hectares pertencente ao mesmo.
A “limpeza” traduziu-se, porém, no corte de cerca de 10 metros cúbicos de madeira chanate, sem qualquer licença florestal.De acordo com o artigo 37.º da Lei de Florestas e Fauna Bravia (Lei n.º 10/1999, de 7 de Julho), a exploração florestal “só pode ser exercida mediante licença emitida pela autoridade competente”.
A legislação é inequívoca: a responsabilidade de garantir a existência da licença cabe ao titular do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT).Logo, o principal responsável seria o próprio Roberto Mito Albino, enquanto beneficiário e detentor do DUAT onde ocorreu o abate.
Nos autos, o próprio declarante Rademan Van Rensburg afirma que consultou a Direcção Nacional da AQUA, onde uma alta funcionária lhe confirmou que a responsabilidade legal pela ausência de licença não recaía sobre a Ecofarm, mas sim sobre Roberto Mito Albino, enquanto titular da terra e promotor da limpeza.
A estratégia de incomunicabilidade
Apesar das declarações comprometedoras e da clara base legal para a sua responsabilização, Roberto Mito Albino nunca foi ouvido pela Procuradoria.Os autos indicam que os oficiais de justiça tentaram notificá-lo várias vezes, recorrendo aos números de telefone, mas sem sucesso. As chamadas foram atendidas por indivíduos que afirmaram não o conhecer.

O escriturário judicial encarregado do processo contactou igualmente Xadreque Muanza, o intermediário citado por Van Rensburg. Este respondeu que, “por ser uma pessoa na qualidade de Director-Geral da Agência do Zambeze”, só o próprio Roberto Mito Albino poderia autorizar a divulgação da sua localização.
Após essa resposta, Muanza deixou de atender as chamadas e nunca mais retornou o contacto, apesar de ter prometido fazê-lo.O episódio sugere, segundo fontes jurídicas, uma estratégia deliberada de incomunicabilidade, com o objectivo de inviabilizar a audição do então do dirigente.
Especialistas questionam o Ministério Público
Juristas consultados consideram que o Ministério Público dispunha de elementos mais do que suficientes para deduzir acusação contra Roberto Mito Albino, mesmo à revelia, uma vez esgotadas as tentativas de notificação.Recordam que as declarações sob juramento, a existência do DUAT e o abate comprovado de madeira sem licença constituem provas directas de violação da Lei de Florestas e Fauna Bravia, passíveis de imputação ao titular da terra.
Para os mesmos especialistas, a decisão de acusar apenas os executores materiais, poupando o principal beneficiário, levanta sérias dúvidas sobre a imparcialidade e o rigor do processo, sobretudo por se tratar de um caso com ramificações políticas.
Nomeação ministerial em meio ao escândalo
A situação torna-se ainda mais controversa pelo facto de Roberto Mito Albino ter sido nomeado ministro da Agricultura, Ambiente e Pescas no início do actual mandato governamental, com o processo em curso.Curiosamente, com a nomeação, Albino tornou-se superior hierárquico das entidades que, por via da fiscalização ambiental, descobriram o esquema de abate ilegal e deram origem ao processo-crime. “O conflito de interesse é evidente”, afirmam analistas.